Destinado a nascer e morrer num mundo que exige perfeição vivi a minha vida na ilusão de um dia rematar o último detalhe, mas inevitável é encontrar sempre um detalhe a mais para se ajustar e não ignorar o fato de nunca poder falhar.
Irrequieto numa vida de constantes aspirações e ofegantes respirações fui tolo em confiar no coração e me deixar levar pela vã obsessão de ser um peão, controlado pela sensação de lá fora conseguir causar uma boa impressão.
Quando eu acordei não acreditei nos anos que leviamente usei, na vida que desperdicei, porque pela primeira vez eu levantei e no espelho me olhei, e ao invés da expressão de um rosto, outro espelho surgiu, refletindo meu ser vazio.
Tão rápida a esperança na noite se perdeu e diante de meus insones olhos abruptamente o Sol várias vezes nasceu. Dias passaram, mas nada me acrescentaram, anos me envelheceram, mas minha alma não enriqueceram.
Apreensivo o amanhã respiro, alérgico ao ar da vã existência espirro, solto um suspiro, problemas para um copo com whiskey transfiro, contra meu reflexo o punho atiro, com o vidro me firo, por pouco não piro e o sangue de meus pulsos de vez tiro.
Sempre comprimido, abatido, a um insignificante reduzido, como um animal enjaulado, rigidamente disciplinado, sou abusado, privado, institucionalizado.
A infelicidade consentir, a mentir e sorrir sou ordenado, controlado para não ser brutalizado e acordar um marginalizado pelo sistema descartado.
Não me deixe apodrecer. Eu já sou um fragmento da existência, uma sombra de um tempo passado que ainda sobrevive no vazio e tédio do presente.
Sei o que buscar, mas não sei onde encontrar. O que eu não tenho o sistema insiste em oferecer, mas nunca é o que eu preciso para feliz ser.
As pessoas querem suas ideias me vender, mas nada é o que parece ser, pois tudo o que elas têm a oferecer é um mundo de ilusões que vai infeliz te fazer.
Trilhando um caminho incerto eu olho para o horizonte à procura de algo que me satisfaça, mas o que restou nesse mundo eu chamo de desgraça.
Ouço incansáveis vozes que insistem em minha cabeça retumbar, mas para a propaganda mundana nela não há lugar, e se minha alma não é um item a negociar não podem me subjugar.
Ignorem minha existência e não me tentem. Não procuro uma proposta de vida, então não me enfrentem. Não estou amistoso, só desgostoso, mentalmente cansado, mas nunca manipulado.
Confie em poucos. Confie nos loucos. Entenda a insanidade da mente que vive livremente nos mentalmente perturbados e naqueles poucos loucos pelo sistema ainda não moldados.
Há uma febre em minha cabeça querendo arder, uma ira reprimida a libertar, lágrimas de sangue a verter, paredes a quebrar e um coração adamantino a manter.
Houve o tempo em que a declamação se tornou a prece tímida de uma sombra esquecida na escuridão, enquanto a luz da poesia se apagava cada vez mais no frio coração de um poeta em solidão.
Tudo parecia ser em vão, a vida passou a ter o peso de uma obrigação, a mente vagueava à procura de uma nova ilusão, já que longe queria estar da realidade presa à razão.
A única sensação era a de despertar sempre no chão, em constante alienação, uma porta de saída para escapar de dias de tédio e frustração sem aparente solução.
Até que um dia pousou uma pomba branca em minha mão carregando-me para longe do desgosto e insatisfação desses tempos, dando-me motivos para viver então.
Daquela pomba um anjo em forma de mulher se revelou, sua voz me convidou, nas nuvens distantes me levou, os alicerces da minha alma amparou e a paz das ondas do mar tu me presenteaste.
Tu se tornaste a aurora, a noite sombria, o eterno devaneio do amanhã, o contínuo pensamento, a importância de cada momento, a alegria que ilumina a minha alma em noites de trevas e sofrimento.
Tu és a saudade, a amizade que me resgata da usualidade, leva-me além das fronteiras da realidade para um mundo criado em instantes de felicidade e liberdade.
Quem me dera poder conhecer a pessoa secreta que em seus pensamentos tu revelas ser, desvendar seu olhar e em minha cabeça escutar o que seus olhos têm para me falar.
Tu me destes forças para sonhar, a capacidade de em poucas palavras verdadeiro significado dar, encontrar, a necessidade de o precioso momento idealizar, um coração para amar e nas asas da tempestade te buscar.
Estaria a felicidade longínqua e oculta dos caminhos do coração? Teria a beleza se esvaído numa pintura desvanecida pelo tempo? Seriam elas páginas já esquecidas e não mais folheadas de livros? Estariam elas morrendo neste mundo de eternas ilusões?
Velejando só o mar calado da flagelação não se abale com as ondas da consternação, não pranteie em vão o horizonte da desilusão, não deixe a incerteza se arraigar em seu coração, não ouça seus pensamentos sombrios que querem te causar aflição.
Juntos, prezada amiga, sopraremos a tormenta que desespero em sua alma fomenta. Juntos dissiparemos as sombras que pesadelos alimentarão, da indesejável lembrança te recordarão e para uma vida de lamentação te acordarão.
Juntos, estimada companheira, confrontaremos esse mundo de escuridão, distinguiremos a falsa realização, interpretaremos a cega idealização, e nas sendas da retidão pisaremos para procurar pela verdadeira satisfação.
Em nosso lugar perfeito não haverá tempo para encontrar um defeito ou em uma lágrima sentir seu efeito. Por que não tornar algo belo e perfeito por valorizar um momento ou mesmo um sublime sentimento?
Quando o futuro amanhecer, a luz do sol em sua janela enfim bater, um anjo em um lindo pássaro aparecerá, em seu canto o passado de trevas perecerá e a alegria há muito distante no tempo e no coração em ti renascerá.
Sua alma, amada irmã, não mais se entristecerá, em sua vida um tempo de paz e serenidade se sucederá, ao amor tu te renderás, com o próprio sorriso se comprometerás e bons momentos então junto aos amigos compartilharás.
Em meio às sombras se dirige um moribundo, que nas últimas nesse mundo fugaz, olhando para trás, vê que nunca foi capaz de viver em paz, e no viver de um último estio, fatigado pela leviandade dessa humanidade e alquebrado por um denso fastio, sua fragilidade o torna flébil.
Em sua indelével futilidade, sua alma, já ignorada, do curso da vida quase completamente apagada, não mais é pressionada, não mais é forçada a viver perturbada, não mais é acostumada a se ver limitada pela sua enfadonha usualidade e a sentir-se sem utilidade.
Na efemeridade de dias em que religiões alegam saber a verdade, mas na realidade encobrem sua insanidade, adeptos têm suas revelações, e enquanto há eclosões de novas facções, explosões se tornam imagens esquecidas de reportagens de revistas empilhadas em seu armário.
Fugindo de um intolerável viver ordinário, mais um confinamento diário, reza o moribundo para tão rápido como foi o seu surgir ele assim também possa partir e não ter de ver o ruir desse Éden de concreto, que abandona Deus no esquecimento, achando isso algo correto.
Sem mais comprometimento ou envolvimento com nada nem ninguém, cansada do desdém, em profunda consternação e sem mais resignação, sua alma enlouqueceu e ninguém mais a entendeu, mas no fundo do poço ela não permaneceu - um fim a isso ela rapidamente deu.