segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Utilização da Arte na Propaganda Agrega Valor Para Todos?

A criatividade artística é fundamental para despertar a sensibilização emocional sobre públicos diversos e seus universos particulares, auxiliando no desenvolvimento de um conteúdo estético capaz disso. A arte se incorporou e modificou no mesmo ritmo da sociedade de consumo, uma vez que as influências entre a arte e a propaganda ocorreram no mesmo sentido. Assim, as manifestações artísticas assumiram a arte como um ritual conformista, desde a Pop Art e Minimal Art até a Arte Conceitual.

Abraham Moles, em sua obra O Cartaz, faz menção à civilização contemporânea como sendo ‘a civilização da imagem’. De fato, o mundo globalizado vive à mercê dos constantes bombardeios de imagem e informação da Indústria Cultural e de seus meios de comunicação de massa, tendo a propaganda na arte uma condição de existência.

Elza Maria Ajzemberg em seu estudo “Modernidade e/ou pós-modernidade?” alega que ‘o homem é seduzido pelo objeto, para se inserir no circuito do capitalismo como obra de arte’. Assim sendo, a publicidade por meio de signos artisticamente dispostos na imagem é um instrumento gerador de múltiplos estímulos para atingir o perfil de cada consumidor ou interpretante potencial, que constrói a sua percepção a partir da realidade ao qual está inserido.

O papel da publicidade hoje é o de adequar continuamente a sua manifestação artística aos media ou suportes dos meios de comunicação, que utilizará no intuito de provocar a sensibilização do consumidor. Essa sensibilização intenta levá-lo a negar hábitos anteriores de vida e consumo, preservar determinados valores e oferecer um diferencial que justifique uma alternativa de consumo que se diz superior.

Repetidas vezes peças publicitárias se utilizam de esculturas ou pinturas para agregar autoridade em suas mensagens, e essa estratégia contempla dois objetivos, que são riqueza e espiritualidade, fazendo da aquisição proposta a representação da união entre luxo e valor cultural. Assim, a publicidade se apropria das relações entre a obra de arte e o espectador comprador, prendendo a produção cultural ao circulo vicioso do consumo, tornando a arte gradativamente mais dependente do mercado. Seria essa uma ação de repercussão negativa para com a identidade artística?

Há divergência de opiniões quanto a esse uso da arte e a capacidade de agregar valor para todas as pessoas. Existem duas linhas de análise. A primeira se refere ao uso da arte na propaganda e a segunda aos efeitos da percepção do consumidor em relação a essa massificação da arte. Analisemo-las separadamente.

Em relação à primeira, para os adeptos da Escola de Frankfurt, por exemplo, que tem Theodor Wiesengrund-Adorno como um dos principais pensadores, utilizar a arte nas peças publicitárias de forma a massificá-la significaria degenerá-la. “O fato de não serem mais que negócios bastam-lhes como ideologia”, disse Adorno. Enquanto negócio, os fins comerciais são desempenhados através de metódica e planejada exploração de bens considerados culturais. Tal exploração ele chama de “indústria cultural”. Poder-se-ia argumentar que mesmo as propagandas mais estéticas às vezes são tão vazias de significado que não justificam sua forma. Seria então a validade dessa arte meramente comercial?

Walter Benjamin, outro pensador da Escola de Frankfurt, mostra que as técnicas de reprodução das obras de arte promovem a inutilização do elemento tradicional da herança cultural, reconhecendo que a massificação faz a função artística aparecer como acessória. Como afirma Bertolt Brecht, mencionado por Benjamin, “desde que a obra de arte se torna mercadoria, não mais se lhe pode aplicar a noção de obra de arte”.

Contudo, há um lado positivo sobre a utilização de arte na propaganda. O fortalecimento do posicionamento nacional no mercado internacional das artes tem como base do sucesso o investimento em obras que fazem referência ao seu sistema de valores, alega Ana Letícia Fialho, em seu texto “Mercado de Artes: Global e Desigual”. Uma das formas de promover esse fortalecimento é pelo aumento de referências em publicações e na mídia, sendo esse o “ponto de partida para a construção de uma história internacional da arte brasileira”.

O texto também traz como informação o fato de que ‘há políticas públicas de incentivo à produção nacional’, e já é conhecida a eficácia de fazer publicidade com arte pela maneira como o belo atrai a visão do observador. Por que então não disponibilizar incentivos fiscais para despertar o interesse das marcas a fim de criarem peças publicitárias, comerciais e embalagens que agreguem valor à arte nacional? Não seria essa uma forma de valorizar a cultura e difundir a arte?

A segunda linha de análise é sobre os efeitos da percepção do consumidor em relação à massificação da arte na propaganda. Pode-se começar refletindo que em uma obra de arte o belo está presente nela, mas depende de quem a contempla para que ele se revele. Da mesma forma se dá, por exemplo, na peça publicitária que usa alguma obra artística. Depende da capacidade de percepção de quem observa e associa a disposição dos elementos contidos na peça para determinar se o valor agregado pela interpretação será só comercial ou também artístico. Caso o indivíduo olhe para o elemento artístico presente na peça, mas veja apenas algo a ser consumido, ele não constrói princípios de beleza e compreensão sobre o valor da obra em si. E assim é indiferente quando isso ocorre.

Para introduzir alguns conceitos sobre a capacidade perceptiva do ser humano, os estudos de Charles Sanders Peirce (1839-1914), filósofo, cientista e matemático estadunidense, fornecem uma boa base a partir da pesquisa semiótica. Do ponto-de-vista semiótico, a percepção é onde se origina o pensamento. Peirce alega que “o pensamento lógico entra pela porta da percepção e sai pela porta da ação deliberada”. Observação, ação deliberada e pensamento constituem uma tríade que descreve as categorias da mente e da natureza sobre as quais Peirce desenvolveu a Teoria Geral dos Signos, que tem o signo como referência para se analisar os níveis de percepção sobre o mundo.

O homem é um ser decifrador de signos que constantemente moldam a sua percepção e atitudes. O julgamento de percepção é uma ação sucessiva, assim como é o pensamento e aprendizagem. Segundo a semiótica, a percepção dos objetos da realidade (objetivação) tem início na primeiridade (qualidades superficiais), passando depois pela secundidade (relações de causa e efeito) e terceiridade (formação de um conceito). Os feixes perceptivos (perceptos) que a natureza emite afetam a mente (percipuum) através dos órgãos dos sentidos. Assim, ‘perceber é estar diante de algo que se apresenta, utilizando outros sentidos sensoriais e aguçando o sistema cognitivo’, e a percepção se limita ao que o indivíduo tem condições de perceber.

Com isso em mente, não se pode alegar que todos tenham a mesma pré-concepção do real para compreender o significado dos signos da mesma maneira. A mensagem a ser observada é conseqüência da interação de signos comuns com um referente percebido subjetivamente por cada mente interpretante. O julgamento de percepção é uma ação sucessiva e inconstante, assim como é o pensamento e a aprendizagem, sendo a vivência pessoal e o grau de instrução fatores influentes. Portanto, a utilização da arte na propaganda agrega valor somente para aqueles quem têm condições de identificá-la e aceitam esse tipo de iniciativa e apropriação da arte.

Lucas O. Ornaghi

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