Ó semblante constante de outrora, acanhado e enlevado contemplava a sua resplandecência, mudo anelando seus traços divinos e obsesso lamentando minha dependência. Ó semblante perturbante de outrora, a verdade é que tu não mais diferes agora.
No abrolhar de muitas alvoradas perdidas, em meu devanear, a pintava do âmago de minha alma com os mais belos versos apaixonados, mas em minha obsessão fui consumido pela consternação, e prostrado pela dor mergulhei em um grande clamor.
O meu corpo começou a se definhar em meio a tanta ingratidão, insensibilidade e rejeição, e nas trevas do chão de meu quarto, rodeado por versos inacabados e copos esvaziados, ouvindo o sussurro das sombras em meus ouvidos, em minha languidez temporariamente enlouqueci e de viver esqueci.
Teimando com a minha alma, eu, um renegado paciente, para ela um incômodo insistente, mantinha-me à espera de um mero gesto de apreciação, de um pouco de gratificação, mas quando me dei conta de que seu olhar nunca percorreria-me sabia que frustração novamente eu teria.
Na minha ardente dedicação, levianamente vivia meus dias em função do que agora não passa de uma decepção, de uma estrela apagada em meu coração, de um buraco negro de sofrimento, de uma mera recordação já se ofuscando no esquecimento.
Aprisionado à rejeição e lamentação há muito deixei de estar, pois com o tempo fui compelido a mudar, em uma pessoa consciente a me transformar, e agora sei da tolice que há em no amor se desperdiçar o limiar de uma existência que não tarda para se findar.
Apegada ao frio do inverno, desponta essa manhã de pálida primavera, e sôfrego rezando para que ouças meu clamor, desesperada minha alma sonha em ter seu amor, tu que és tão singular quanto o rebentar de muitas das flores que mais tarde envolverão esse horizonte de perfume e cor.
Contemplar o abrolhar das primeiras delas é enxergar a essência das belezas ocultas de nossa mãe Gaia, mas por mais que a natureza a mim distraia, é com sua saia que sou fustigado, que sou tentado, conduzido à perdição e aprisionado a essa paixão de contínuas dores de aflição.
Na alucinação de um dia conquistar seu coração, acordo martirizado pelo viver desorientado de um jovem aterrorizado, que fica imobilizado quando te vê, sem saber como reagir, sem reconhecer o que pela primeira vez está para sentir.
Minha consolação é que agora, embora eu ainda não tenha o seu coração, através desses versos tu terás noção de que por ti estará sempre preservada a minha sincera afeição, uma vez que te amar se faz minha eterna motivação.
Era o mês de abril, eu me sentia tão vazio quando de um lento fastio das trevas da noite ela surgiu, vulnerável me viu, em seguida sorriu, e meu coração sucumbiu e não resistiu ao anelar esse anjo que das sombras luziu, me seduziu e depois partiu.
Na escuridão de uma noite sem Lua, nem estrelas, sua voz de calhandra me guiou, o perfume trescalando de seus cabelos a brisa levou e me enfeitiçou, sua rara beleza a paixão despertou, seus lábios minha alma escravizou e ao beijo da morte me condenou.
Nas horas mortas nós dançamos com a musicalidade do vento, e sob o frescor do relento ela me amou e sugou minha mortalidade quase à última gota de humanidade, que no solo caiu e lentamente se esvaiu da felicidade incompreendida da vida de simplicidade.
Tudo tão rápido como um arrepio na minha vida se resumiu, a sede logo me consumiu, a escuridão logo me abduziu, o sangue humano como um incomparável vinho também me atraiu e um vampiro essa filha da noite produziu.
Sem maldade, sem responsabilidade, vivi na naturalidade de minha nova identidade, na insanidade de uma constante necessidade, e ao passo que a minha idade avançava, eu continuava um jovem da eternidade, de séculos de mera vaidade.
Milênios se findaram, vampiros o sangue dos vivos sugaram, mas enfastiei-me ao permanecer cativo dessa existência sem objetivo, ao viver tanto só para descobrir que nada passou de um eterno desencanto para uma alma há muito em pranto.
Flutuando na imensidão do universo em questão, um astronauta sem razão para ter olhos de glória, não enxerga a escória, não entende nem se surpreende com o rumo da História, não observa A Terra que o homem faz de serva ou a religião desse mundo em desespero e desilusão, que põe no coração do cego o céu como segunda opção e o inferno como incentivo à santa devoção.
Vejo da janela terras desoladas, casas pela chuva levadas, lágrimas não consoladas, perdas não evitadas, mulheres violentadas, cidades bombardeadas, mães que pelo desespero foram tomadas, velhas adoentadas, crianças apavoradas que choram amarguradas, faveladas vivem esfomeadas, desorientadas, não amadas, nascendo para serem abandonadas e pela rua criadas.
Em meus pesadelos almas flageladas ecoam vozes que no escuro tristeza sussurram, minhas mãos geladas suam, meus olhos não mais se situam, mas não recuam, sabem que estou distante, longe de estar o bastante para saciar a insatisfação de meu coração de estudante, que nunca teme o que lhe está adiante, continua sempre avante, sem deixar de se preocupar e sua paixão pelo mundo se arraigar.
Pensamentos voam em minha mente, palavras ecoam de repente, ideias em meu subconsciente redefinem o presente, e de um jovem consciente se concebe um pensador excelente, um descobridor inteligente, uma pessoa eficiente, ciente desse ambiente que abriga meu mundo carente e as pessoas descrentes, personagens de um quadro deprimente que ainda se mostra presente.
Cansei de ignorar o vermelho luar que sangra acima do mar de insanidade em que se afoga a humanidade, e enquanto o mundo rodando alto está clamando, prossigo com meus olhos estudando, o conhecimento das páginas dos livros buscando, o misterioso da vida experimentando, meus sentimentos poetizando, meus devaneios estimulando, meus sentidos explorando e a mim mesmo ao viver de cada dia superando.
À medida que a escuridão de quarteirão em quarteirão chega a ti como um grilhão, observe um mundo de sofreguidão partilhar de uma mesma ilusão e cedo também te levar para a perdição.
No ritmo dessa alienação muitos ainda dançarão, suas almas entregarão, seus sonhos matarão e nessa nova condição paixões jamais cultivarão, felicidade já não conhecerão.
Os anos passarão, as cãs logo aparecerão e em lassidão e sem realização aos poucos todos um dia sucumbirão, pois insatisfação seus olhos revelarão e sua própria existência deplorarão.
Tarde ressentirão ter gastado uma vida em vão, ter vendido o coração e sacrificado a compreensão, a percepção, tempo que agora não passa de rápida abstração, de uma dolorosa decepção.
A cada nova emoção, em seus íntimos renasce a perturbação, a evocação de um passado de desilusões, difíceis lições que trazem a sensação de um vazio sem solução, de um fastio sem resignação.