Com a chuva se misturam lágrimas superficiais de um bandido, ao passo que rubro e sem sentido se esvai novamente despercebido o sangue de mais um que foi pelo mal rendido.
A luz da aurora ilumina uma mórbida viela de vidas ceifadas, vozes não mais pronunciadas, fazendo da abstraída menina que vai para a escola vítima eterna de rostos sem vida.
Olhos frios de um policial percorrem com normalidade a atrocidade da alma perecida, que na dor de cada indelicada ferida gritou em protesto contra os abusos de seu homicida.
Durante a noite o médico-legista assoviando logo vai acomodando lúgubres hóspedes numa comprida gaveta, sala de espera que anuncia o fim da vida desses bebês de proveta.
Na cova escura os pensamentos perecem, inativos e em decomposição corpos desaparecem, incorporando-se ao solo do qual foram formados e terminaram desafortunados.
Mas não vá com a morte se perturbar, não há um só fantasma que voltou para reclamar, não há sombras na escuridão, apenas anonimato e um retiro inanimado de solidão.
Viver se tornou um desespero silencioso, um envelhecer ocioso. Deveríamos usar o tempo para amar e não sermos tolos em ficar à mercê da incerteza que essa vida nos vai arrastar.
Queremos dormir, por poucas horas partir, não mais existir e a angústia deixar de sentir, mas não deixam-nos nem no sono fugir. Clamemos então como o som de vozes perdidas a se propagar.
Sem saber onde pisar aprendemos a orar, a esconder a lágrima que brilha no olhar. Oramos para as vozes reprimidas da psique expulsar e de quem amamos não termos mais de nos afastar nem nas sombras quem somos ocultar.
A vida de ponta cabeça é difícil como um quebra- cabeça, pois em mundos jamais penetrados não existem respostas, nada é definitivo e tudo se perpetua na estrada para o enigmático.
Somos todos sombras uns para os outros, tão obscuros quanto o próprio universo, que se estende além do alcance dos olhos, que abriga mundos inexplorados, jamais penetrados.
Cruzando ruas feitas de mundos alheios aos olhos do homem institucionalizado, realidades colidem entre a luz e as trevas numa batalha de eternos contrastes.
Em cada esquina vultos se escondem em sua vergonha e desaparecem na escuridão, como as sombras de um mundo de que não querem mais lembrar e sua infeliz presença aceitar.
Um rosto que passa ligeiro se oculta atrás de uma parede de vidro, observando com um olhar calejado a tribulação de almas desconhecidas que logo são esquecidas.
Nas lágrimas da criança que desamparada caminha errante pelas ruas e semáforos, facilmente se interpreta o desgosto de vidas ignoradas vivendo o incerto despertar.
Inocentes, injustiçados, nomes nunca pronunciados, vagabundos e criminosos são os que lhe foram batizados, os nomes dos discriminados e pelo sistema descartados.
Disparos irrefletidos inserem novos fantasmas na noite, enquanto lúgubre se esvai o sangue de um jovem vitimado pela arma de um tolo, que logo é inocentado.
Desesperadas protestam suas vozes que precisam ser ouvidas, mas ecoam em vão e inaudíveis chegam clamores nunca atendidos, só nas preces dos fiéis ouvidos.