Com a chuva se misturam lágrimas superficiais
de um bandido, ao passo que rubro e sem
sentido se esvai novamente despercebido o
sangue de mais um que foi pelo mal rendido.
A luz da aurora ilumina uma mórbida viela de
vidas ceifadas, vozes não mais pronunciadas,
fazendo da abstraída menina que vai para a
escola vítima eterna de rostos sem vida.
Olhos frios de um policial percorrem com
normalidade a atrocidade da alma perecida,
que na dor de cada indelicada ferida gritou em
protesto contra os abusos de seu homicida.
Durante a noite o médico-legista assoviando
logo vai acomodando lúgubres hóspedes numa
comprida gaveta, sala de espera que anuncia
o fim da vida desses bebês de proveta.
Na cova escura os pensamentos perecem,
inativos e em decomposição corpos
desaparecem, incorporando-se ao solo do qual
foram formados e terminaram desafortunados.
Mas não vá com a morte se perturbar, não há
um só fantasma que voltou para reclamar, não
há sombras na escuridão, apenas anonimato e
um retiro inanimado de solidão.
Lucas O. Ornaghi
Viver se tornou um desespero silencioso, um
envelhecer ocioso. Deveríamos usar o tempo para
amar e não sermos tolos em ficar à mercê da
incerteza que essa vida nos vai arrastar.
Queremos dormir, por poucas horas partir, não
mais existir e a angústia deixar de sentir, mas não
deixam-nos nem no sono fugir. Clamemos então
como o som de vozes perdidas a se propagar.
Sem saber onde pisar aprendemos a orar, a
esconder a lágrima que brilha no olhar. Oramos
para as vozes reprimidas da psique expulsar e de
quem amamos não termos mais de nos afastar
nem nas sombras quem somos ocultar.
A vida de ponta cabeça é difícil como um quebra-
cabeça, pois em mundos jamais penetrados não
existem respostas, nada é definitivo e tudo se
perpetua na estrada para o enigmático.
Somos todos sombras uns para os outros, tão
obscuros quanto o próprio universo, que se
estende além do alcance dos olhos, que abriga
mundos inexplorados, jamais penetrados.Lucas O. Ornaghi
Cruzando ruas feitas de mundos alheios aos
olhos do homem institucionalizado,
realidades colidem entre a luz e as trevas
numa batalha de eternos contrastes.
Em cada esquina vultos se escondem em sua
vergonha e desaparecem na escuridão, como
as sombras de um mundo de que não querem
mais lembrar e sua infeliz presença aceitar.
Um rosto que passa ligeiro se oculta atrás
de uma parede de vidro, observando com um
olhar calejado a tribulação de almas
desconhecidas que logo são esquecidas.
Nas lágrimas da criança que desamparada
caminha errante pelas ruas e semáforos,
facilmente se interpreta o desgosto de
vidas ignoradas vivendo o incerto despertar.
Inocentes, injustiçados, nomes nunca
pronunciados, vagabundos e criminosos são
os que lhe foram batizados, os nomes dos
discriminados e pelo sistema descartados.
Disparos irrefletidos inserem novos
fantasmas na noite, enquanto lúgubre se
esvai o sangue de um jovem vitimado pela
arma de um tolo, que logo é inocentado.
Desesperadas protestam suas vozes que
precisam ser ouvidas, mas ecoam em vão e
inaudíveis chegam clamores nunca
atendidos, só nas preces dos fiéis ouvidos.Lucas O. Ornaghi