segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

REPENTINA COMO A BRISA

Com a aurora renascia a ávida busca de
um homem, e um dia no espelho a
avelhentada face de um estranho ele vê,
um reflexo distante e até então
desconhecido de si mesmo, mas
quando ele de novo olha, uma
indesejável familiaridade ele nota, ao
passo que repentina como a brisa se
sucede o que foi deixado para sempre
num passado já fora de seu alcance.

O tempo presente em cada momento
avança como um trem em movimento, e
a vida, feita de estradas que depois de
percorridas permanecem de nós
escondidas, transforma-se na corrida
contra o imprevisível, na busca pelo que
é capaz de preencher universos vazios
e solitários feitos de longas noites que
te sufocam e tornam como roupas
presas num armário.

Uma lágrima de seus olhos lentamente
escorre e as estruturas de sua alma
percorre. Em uma lágrima uma
reprimida tristeza se esvai e nas
páginas de um empoeirado livro que
está em suas mãos cai. Palavras
escritas seus lábios em silêncio leem, e
em sua memória lembranças de um
apaixonado jovem seus olhos com
saudade veem.

À porta de seu quarto o hálito gelado do
inverno esfria mais seu corpo a cada
incerto amanhecer, que em breve em
um sono profundo o fará adormecer.
Décadas vividas entorpecem seus
passos, embranquecem seus cabelos e
adoecem o seu corpo, mas não o
esquecem daqueles a quem ama e já
amou, daqueles a quem durante o
tempo de uma vida o acompanhou.

Distante da terra dos mendazes e dos
néscios morosamente vive os últimos
momentos de um exânime moribundo, e
penetrando pela última vez o coração
do profundo e vasto oceano seu íntimo
sensibiliza-se com a beleza poética
contemplada em mais um encarnado
pôr-do-sol, que lhe presenteia com o
enrubescer das nuvens do seu último e
mais belo ocaso.

Como ele queria que tão somente o
curso da vida fosse calmo e lento como
um navio a zarpar, desaparecendo no
longínquo do mar. Sendo agora levado
pela nortada, plangente sente ter que
deixar para sempre a borrasca, mas
ditoso se lembra que partindo
eternamente sua essência em outros
corações vai conservar, quando sua
existência terrestre então findar.

Lucas O. Ornaghi

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